sábado, 26 de julho de 2014

Da questão sobre publicidade para crianças

São dois problemas. Um é o Projeto de Lei 5921/2001- autoria de Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e outro é mera resolução de um órgão chamado Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), ligado à presidente Dilma por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

O Projeto de Lei 5921/2001 está ainda em tramitação, e teve sua ultima movimentação em 2013. Por mais torpe que pareça a ideia por trás do projeto, ele é de fato fruto de um processo legislativo legítimo, iniciado por um representante eleito pelo voto universal, livre, secreto e direto.

Já a Resolução nº163 do Conanda, que não é uma lei, não guarda as mesmas características, foi publicada no Diário Oficial da União em 04 de abril de 2014. Não sendo lei, a resolução não passou pelo crivo de um processo legislativo legítimo, e por esta razão passa a ter sua validade discutida.

A impressão que passa é a de que como não ainda conseguiram a lei, os interessados em censurar toda a publicidade voltada para crianças resolveram atropelar o Poder Legislativo e a representação democrática que o Ente Federativo encarna forçando a barra com a edição da controvertida Resolução nº163.

Um indício disto surge com a informação de que quem promoveu e criou a determinação do Conanda foi o Instituto Alana. É preciso saber que o Conanda é composto por ministérios do governo federal e entidades da sociedade civil, entre essas se encontra o Instituto Alana, na condição de suplente. Em sua página oficial na internet, Instituto Alana afirma que contribuiu junto aos demais conselheiros na elaboração e aprovação do texto que compõe a Resolução nº163.


"Prática antiética e abusiva"??? Não, né.

“Foi uma conquista histórica para os direitos da criança no Brasil. A publicidade infantil não tinha limites claros e específicos. Agora, com o fim dessa prática antiética e abusiva, alcançamos um novo paradigma para a proteção da criança brasileira”, afirma Pedro Affonso Hartung, conselheiro do Conanda e advogado do Instituto Alana. Na verdade, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já definia os limites da publicidade.

Ainda segundo Pedro Hartung "é possível sim os canais infantis sobreviverem, tem que ser criativo, tem que encontrar outras formas de promover seu conteúdo, com auxílio estatal”, aponta o conselheiro do Conanda. A ideia de viver obrigatoriamente apenas de auxílio estatal parece uma afronta contra os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, ambos fundamentos da República.

Mas o conselheiro Pedro Hartung vai além e declara que “a partir de agora, temos que fiscalizar as empresas para que redirecionem ao público adulto toda a comunicação mercadológica que hoje tem a criança como público-alvo". Vale lembrar que o artigo 5º da Constituição Federal, em seus incisos declara que "II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

A resolução do Conanda sobre propaganda infantil “não apenas exorbita do poder regulamentar, como invade área de competência exclusiva do Congresso Nacional” - conforme contesta o deputado Milton Monti (PR-SP).

Ocorre que a Lei Nº 8.069/90 já trata do assunto por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O artigo 79 do estatuto estabelece que "as revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família".

O poder regulamentar conferido ao Conanda não é absoluto e não pode extrapolar os limites legais. A regulamentação tem por escopo tornar explícito e sem ambiguidades aquilo o que a lei estabelece, informando o modo de seu cumprimento, e não criar restrições autônomas, mais abrangentes e rigorosas do que as contidas na lei. Assim, não pode inovar para além do que estabelece a Lei Nº 8.069/90, sob risco de atropelar a hierarquia das leis e o próprio processo democrático.


A filha do Maurício de Souza, Mônica, cedeu entrevista ao site O Globo expondo seu ponto de vista. Separei alguns trechos interessantes:

    "A resolução quer, de alguma maneira, sumir com todos os personagens infantis. Estende-se a embalagens, que não podem ser coloridas, bonecos, que não podem ter som... É muito radical.

    (...) Se você proíbe uma criança de ver alguma coisa, a está deixando mais alienada. Ela tem que crescer e saber discernir entre certo e errado. A família tem que passar isso. É simplista proibir comerciais de televisão e personagens. Isso vem de uma sociedade que está com problema emocional. Pais e mães estão substituindo o convívio por dar presentes. Isso não é culpa da publicidade, e sim dessa sociedade, que está carente dessa relação.

    (...) Colocar o governo para proibir qualquer publicidade é muito fácil. Educar é que é mais difícil.

    (...) Podemos trabalhar em conjunto com as instituições para chegar a um denominador comum. A sociedade está consumindo mais, a doença do século é a obesidade, mas isso tem que ser trabalhado com educação, não proibição."


Pais histéricos queimando quadrinhos - EUA, anos 50

Sedução do Inocente

Em 1954, um psiquiatra chamado Fredric Wertham publicou Seduction of the Innocent e logo se tornou um best-seller nos EUA. O livro afirmava que as revistas em quadrinhos eram um sério fator da delinquência juvenil, por ser um forma ruim de literatura. A tese alimentou uma violenta campanha para a censura deste tipo de publicações. A questão logo chegou ao Subcomitê do Senado norte-americano, que investigava a delinquência juvenil.

A época da caça às bruxas nos EUA passou. Após sofrer revisão de investigadores da University of Illinois verificou-se que o trabalho do psiquiatra não seguia padrões de investigação científica e tratava-se de pura retórica. Erros de amostragem, depoimentos falsos ou alterados, e meras suposições não comprováveis somados a manipulação sistemática são alguns dos recursos utilizados pelo autor para impor sua tese. Hoje Fredric Wertham é desacreditado por suas ideias, mas esta consciência chegou tarde demais.

O pânico cultural já havia causado o estrago. Editoras de quadrinhos fecharam as portas, encerraram suas atividades e dispensaram seus colaboradores. Se o psiquiatra tinha boas intenções, estas foram eclipsadas pelo enorme mau estar social derivado de suas ações. A histeria contra os quadrinhos tomou conta da década de 1950, um duro golpe contra a liberdade de expressão - até então defendida pela primeira emenda constitucional norte-americana.

Equivocadamente, Fredric Wertham partiu da premissa que as revistas de histórias em quadrinhos eram responsáveis pela delinquência porque alguns pacientes de sua clínica, em algum momento, teriam lido quadrinhos. Ignorava a pesquisa feita em 1953 informando que 90% das crianças e 80% dos adolescentes nos Estados Unidos liam quadrinhos. Ou seja, para ser verdade, 90% das crianças e 80% dos adolescentes nos Estados Unidos teriam necessariamente que ser delinquentes e frequentar clinicas psiquiátricas - fato desproporcional em relação às conclusões do médico.

Em outros momentos, a busca por um bode-expiatório já veio a condenar estilos musicais diversos, como o chorinho, o samba, o rock, ou videogames, ou as mais diversas vanguardas artísticas, e agora a publicidade infantil, essa por meio dos exageros da Resolução nº163 do Conanda.

Já podíamos ter aprendido algo com os erros dos outros sem ter que passar por situação equivalente.


Personagens coloridos, crianças e armas - uma ação do governo

O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deve ser interpretado de forma mais branda. Em 1996, a UNICEF, órgão da Organização das Nações Unidas, em conjunto com o governo dos EUA recorreram ao Superman para educar crianças quanto aos perigos das minas terrestres na Bósnia e Herzegovina. A revista de histórias em quadrinhos foi ferramenta para desenvolvimento da consciência do perigo para aquelas crianças.

A iniciativa foi tão bem sucedida que recebeu novas tiragens e serviu de modelo para outras iniciativas semelhantes na Nicarágua, Honduras e Costa Rica com a publicação de Superman and Wonderwoman: The Hidden Killer em 2010. Uma interpretação mais restritiva do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) inviabilizaria um projeto assim no Brasil. Devemos ter muito cuidado ao apoiar iniciativas estúpidas com aparência de boas intenções.

Mas e agora? O que fazer?

No momento há uma petição pública contra a Resolução nº163, endereçada ao Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente. Você pode acessar clicando em: http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR73463

Há também o Projeto de Decreto Legislativo nº1460/14, em análise na Câmara dos Deputados, para a revogação da Resolução nº163. Você pode acessar clicando em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CONSUMIDOR/470243-PROJETO-CASSA-RESOLUCAO-DO-CONANDA-SOBRE-PROPAGANDA-INFANTIL.html

A pior atitude agora fazer joguinho de empurra, para defender os partidos envolvidos. Essa iniciativa deve ser combatida independentemente de qualquer sigla partidária envolvida. Então não importa se você pensa que é de esquerda, ou de direita, pois está cercado de todos os lados. Assine a petição pública, e apoie o Projeto de Decreto Legislativo nº1460/14!

O que acha? Comente!

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